Os automóveis são os donos das cidades

Francisco Cárdenas e a Agência de Ecologia Urbana de Barcelona têm trabalhado com cidades portuguesas Fernando Veludo/NFACTOS

in Jornal Público, 24-10-2010
Por Mariana Correia Pinto
 
" Nas cidades actuais os automóveis privados já ocupam cerca de 70 por cento do espaço público. Um dia, isto será insustentável, diz o especialista em ecologia urbana, Francisco Cárdenas. Em Espanha, há cidades que já mudaram radicalmente. Portugal está a tentar.

Quando na quinta-feira passada o avião de Francisco Cárdenas se aproximou de terra, à chegada ao Porto, o espanhol não pôde deixar de reparar no aglomerado de casas que se vislumbrava. "Parece que dispararam casas do céu e elas caíram em todas as partes. Olhes para onde olhes, vês casas." O Porto, e toda a sua área metropolitana, é um exemplo daquilo a que o director de programação e planeamento da Agência Ecologia Urbana de Barcelona chama "cidade difusa", o protótipo que está, pouco a pouco, a apoderar-se da Europa: um modelo que tem no carro o elemento central de construção das cidades, que faz do cidadão um mero actor secundário. Em Barcelona já muita coisa mudou. Portugal tem muito caminho pela frente.

O Francisco Cárdenas defende que é urgente recuperar o modelo de organização de cidades do Sul da Europa. Que modelo é este? É um modelo de uma cidade diversa e complexa, onde o espaço público é importante. Uma cidade compacta, o que significa que há densidade suficiente de população e de actividade para que haja contacto e relações entre as pessoas.

Quando é que esse modelo faliu?Pouco a pouco fomos caminhando para outro modelo, o da cidade americana, onde o espaço público pertence aos automóveis privados. Agora, nas cidades, há peões ou condutores: não há cidadãos.

Consegue identificar um culpado?
O problema é que apareceu um artefacto de uma potência incrível, o veículo privado, que pouco a pouco se fez dono das cidades. E os planificadores passaram a desenhar as cidades a pensar neles. Na maioria das cidades médias e grandes, no Sul da Europa, cerca de 70 por cento do espaço público é para o veículo privado. É preciso alterar isto. A dependência do veículo privado é a grande perversão das cidades actuais.

Mas um carro é também um símbolo de liberdade...
É um símbolo de poder, uma questão de status. Ter carro numa cidade com uma boa rede de transportes públicos é uma estupidez. Não estamos contra o carro, mas queremos dar-lhe saída para que funcione. Uma coisa é que o veículo privado vá por toda a parte, outra é pensar simultaneamente nos peões e nas bicicletas.

O que propõe?
Para que um carro não passe numa rua há muito poucas soluções. A única que vejo, na verdade, é impedindo-o, fisicamente. O estacionamento e as portagens já são utilizadas (estas de forma algo injusta). As outras são repensar as vias, de maneira que os veículos não passem por onde querem. É a ideia dos quarteirões - à volta deles é possível circular, dentro não.

Isso não é incompatível com a funcionalidade das cidades?
Não. É uma questão de regular os usos. Mas porque é que as cargas e descargas se podem fazer todo o dia? Não é possível determinar que isso só se faz em determinadas horas? Quando as crianças estão na escola, por exemplo.

As redes de transportes públicos teriam de ser bem mais atractivas.
O transporte público tem de ter qualidade - frequência e cobertura - para ser competitivo. É óbvio que se demorar dez minutos de carro e uma hora de autocarro, nunca irei de autocarro.

Quando fala de cortar os automóveis está a falar de que percentagem de corte?
Na verdade, em algumas cidades, nem é preciso reduzir o número de carros. Mas geralmente falamos de reduções pequenas, à volta dos cinco por cento. Basta alterar os itinerários para que as cidades mudem radicalmente. Em Barcelona, um distrito com 150 mil pessoas, só tocamos em quatro por cento dos carros. O que se muda é que os carros em vez de irem por onde querem, vão por onde nós definimos.

É esse trabalho que a Agência de Ecologia Urbana de Barcelona tem feito...
O nosso trabalho é pôr ordem. Não somos gestores nem construtores, apenas damos apoio às cidades que têm vontade de implementar processos com outros critérios. Quando os arquitectos desenham uma casa pensam muito no conforto - as cores, a luz, a temperatura, o solo -, no espaço público não se pensa nisso.

Quer desenhar cidades como se desenham casas?
Os conceitos de habitabilidade e de conforto têm de estar associados. Agora só se pensa na edificação e urbanizar é muito fácil: construir casas, iluminação, ruas. Fazer cidades é outra coisa. É pensar nos espaços para serem utilizados. Os espaços verdes são muito bonitos, mas se não há nada para fazer lá são pouco mais do que inúteis.

Depois de retirar os carros das cidades, é preciso levar as pessoas lá. A tendência tem sido outra, as cidades dormitório a aumentar...
É um fenómeno muito comum. Expulsava-se a população para os arredores; e depois para os arredores dos arredores... e por aí adiante. Mas chega-se a um momento em que as pessoas que vivem a 45 minutos da cidade não podem mais, em que deixam de estar dispostas a perder duas horas de vida por dia no trânsito. E nesse momento começa a regressar-se ao centro. Em Barcelona isso já foi resolvido e no Porto também será. A população vai regressar - não sei se daqui a cinco ou 15 anos, mas voltará.

O que já se fez em Barcelona?
Fizemos, por exemplo, uma nova rede de autocarros. A que havia já era boa, mas melhorámos ainda mais. Vamos aumentar a frequência de circulação com uma simples alteração topológica dos itinerários. Estamos a trabalhar na implementação de um urbanismo em três planos: altura, superfície e subterrâneo. Os veículos podem - e devem - ocupar mais o subsolo para estacionamento. A verdade é que, neste momento, Barcelona já está a ganhar população de novo. Depois, procuramos optimizar o consumo de energia com medidas tão simples como procurar que as casas recebam sol durante o maior número de horas possível.

Que outras cidades estão abrangidas pelo projecto?
Estamos a desenvolver projectos por toda a Europa. Em Espanha, além de Barcelona e arredores, trabalhamos com Madrid e Corunha, por exemplo. Em Portugal, com vários municípios do eixo atlântico: Porto, Vila Real, Bragança.

Como está Portugal neste capítulo de sustentabilidade
Chama a atenção, quando o avião se aproxima de terra, que olhes para onde olhes, vejas casas. Parece que dispararam casas do céu e elas caíram em todas as partes. É um modelo de cidade difusa, que não cria cidades, cria ajuntamentos urbanos. Em Portugal, este modelo [das cidades difusas] está implementado de uma maneira particularmente escandalosa. Em Espanha também, na verdade.

Mas há projectos no terreno...
As soluções que se têm desenhado são pequenos tampões num depósito gigante a perder água por todo o lado. O que se tem feito é resolver problemas pontuais: se tenho um problema de resíduos, construo uma incineradora, se tenho problemas de circulação, amplio as estradas. Não chega.

De quem é a responsabilidade?
É um pouco de todos. Dos políticos em primeiro lugar, claro, mas é uma decisão que muitas vezes nem no Governo do país está, diz respeito à Europa. A grande dificuldade é que é um projecto a longo prazo e os políticos não têm coragem de assumir esse compromisso. Perderiam eleições.

Que parte cabe ao cidadão?
Cabe a parte de reivindicar a cidade para si, de reivindicar o direito de sair à rua sem medo de ser atropelado, de poder caminhar numa cidade com qualidade de ar, sem ruído excessivo. É preciso consciencializarem-se de que não podem circular por todo o lado e ainda ter tudo.

O que prevê que aconteça, caso este modelo de cidade se mantenha?
Será insustentável. Gostaria de saber o que vai acontecer quando o barril de petróleo estiver outra vez a 200 euros, quando for um bem escasso... e nós continuarmos a depender dele. Em menos de 20 anos os recursos acabam. Agora, vivemos como se os recursos fossem infinitos, fazemos cidades como se a energia fosse infinita, como se a tecnologia resolvesse tudo. E olha-se para o PIB e parece que está tudo bem. Se se vendem mais carros, é possível que ele cresça. A ver se começamos a mudar mentalidades. Não é nada fácil. É que há pessoas que aqui [aponta para a cabeça] a única coisa que têm é um automóvel."

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Mobilidade: Para cada cidade europeia há uma solução à medida

Em Malmo, a bicicleta é muito usada, o que criou outro problema: onde estacioná-las?
Em Malmo, a bicicleta é muito usada, o que criou outro problema: onde estacioná-las? (Foto: Miriam Logonder)








"Enquanto Malmo procura uma solução para o estacionamento caótico de bicicletas na cidade, o Funchal recorre aos transportes públicos para acabar com o trânsito provocado pelos veículos de cortesia dos hotéis. Também Vitoria, Bolonha e Génova se destacam pelos avanços conquistados na área da mobilidade.
São praticamente infinitas as possibilidades ao alcance dos políticos e técnicos europeus para melhorar a mobilidade dos cidadãos, ou, como alguns especialistas optam por chamar-lhe hoje em dia, a sua acessibilidade. O segredo, diz-se de forma praticamente unânime, está em misturar as muitas peças do puzzle disponíveis com ponderação e adequar essa mistura à realidade de cada cidade. Malmo, Vitoria-Gasteiz, Funchal, Bolonha e Génova são alguns dos exemplos com provas dadas e agora premiados.

Malmo - Suécia
Com 420 quilómetros de vias dedicadas, estruturas metálicas nos semáforos para os ciclistas se apoiarem, um sistema que lhes garante prioridade em dezenas de cruzamentos e pequenas estações de serviço - onde podem encher os pneus e realizar reparações simples -, Malmo parece ser uma cidade perfeita para quem anda de bicicleta. Porém, mesmo neste cenário capaz de fazer inveja a ciclistas de todo o mundo há um senão (pelo menos): encontrar um lugar para estacionar a bicicleta nesta cidade sueca é um verdadeiro quebra-cabeças e, por isso, as duas rodas acotovelam-se um pouco por todo o lado.

Magnus Fahl, que chefia a unidade de tráfego deste município no Sudoeste da Suécia, admite que este é um dos problemas com que Malmo se confronta actualmente, a par da inexistência de um sistema de aluguer de bicicletas que permita aos turistas porem-se na pele dos locais e pedalarem pela cidade fora. Falhas que não impedem que, entre 2003 e 2008, o recurso aos veículos de duas rodas nas viagens dos mais de 286 mil habitantes tenha subido de 20 para 23 por cento.

Magnus Fahl acredita que este número tem ainda uma margem significativa de crescimento. Para tal contribuirão certamente as numerosas garagens "de grande capacidade e elevado grau de conforto" que, como explica este responsável, vão ser construídas junto às principais estações ferroviárias, criando um total de cerca de 6000 lugares para bicicletas. Exemplo disso é o parque de estacionamento que está a ser feito no centro da cidade e que terá 1000 lugares para parqueamento de bicicletas e (apenas) 400 para carros.

Um investimento que vem juntar-se a muitos outros feitos nos últimos anos para facilitar a vida de quem pedala, incluindo o presidente de câmara, Ilmar Reepalu, para quem pedalar é uma rotina diária. Nas ruas da cidade foram instalados sensores que garantem aos ciclistas prioridade em cerca de 30 cruzamentos, reduzindo o número de vezes em que são obrigados a parar ou a esperar pelo sinal verde. E as viagens podem ser programadas mesmo antes de se sair de casa, com a ajuda de um mapa em papel da cidade ciclável e de um site em que são sugeridas rotas e comparados os tempos de viagem em bicicleta com aqueles que seriam despendidos em carro particular ou autocarro.

Vitoria-Gasteiz - Espanha
Mas no que toca à informação prestada aos cidadãos no domínio da mobilidade há uma outra cidade europeia que parece estar um passo à frente e que foi distinguida na última conferência anual do programa europeu Civitas (ver caixa), que se realizou precisamente em Malmo, há menos de um mês. Trata-se de Vitoria-Gasteiz, um município espanhol que foi premiado na categoria de participação pública devido ao seu "extraordinário esforço para envolver os cidadãos e outros agentes no desenvolvimento de um plano de mobilidade sustentável e espaço público".

E os resultados estão à vista: há cerca de um ano, esta cidade do País Basco (com cerca de 233 mil habitantes) lançou uma linha de eléctrico e alterou por completo a sua rede de autocarros (passando de 17 para nove linhas e diminuindo os tempos de espera de uma média de 25 para dez minutos), tendo com isto conquistado mais de 508 mil novos utilizadores para o sistema de transportes públicos. A explicação, diz o responsável pela difusão da participação de Vitoria no Civitas, Juan Carlos Escudero, está no facto de este ter sido um processo "multidisciplinar e participativo, que procurou o envolvimento, além dos diferentes departamentos municipais, de tantas organizações de cidadãos quanto possível". Para isso, sublinha Juan Carlos Escudero, o fluxo de informação circulou não só de cima para baixo - da autarquia para os munícipes - mas também entre munícipes, tendo sido recrutados 101 voluntários que transmitiram a mais de 27 mil pessoas informações sobre a nova rede de transportes públicos. Os partidos da oposição representados na câmara de Vitoria-Gasteiz apoiaram unanimemente o plano local de mobilidade, apesar de dele constar a pouco popular medida de o estacionamento no centro da cidade passar a ser pago, isto para dissuadir o uso do transporte individual.

Funchal - Portugal
Já na cidade portuguesa do Funchal há, além do automóvel, um outro veículo cujos efeitos pouco desejáveis em termos ambientais a autarquia está empenhada em minimizar: o chamado "autocarro de cortesia" que muitos hotéis disponibilizam aos seus hóspedes para se deslocarem até ao centro. Cláudio Mantero, porta-voz do projecto Civitas nesta ilha portuguesa, refere que estão em causa sete veículos pesados e cinco ligeiros que efectuam 86 viagens diárias e que "podiam perfeitamente ser suprimidos em favor do transporte público regular de passageiros".

A ideia é que as unidades hoteleiras abdiquem da sua oferta privada ou que a utilizem exclusivamente para transportar os seus hóspedes até ao aeroporto. Nas deslocações no centro a alternativa é recorrer à Linha Verde, um serviço público de autocarro que percorre uma extensão de cinco quilómetros "numa zona de grande expansão residencial e onde está concentrado um elevado número de unidades hoteleiras, espaços públicos de grande adesão/procura, centros comerciais e oportunidades de emprego".

Esse serviço destina-se também a residentes, mas, no caso dos turistas que visitam a ilha, a venda dos bilhetes - num pacote que inclui títulos de transporte para um, três ou cinco dias e informações sobre as principais atracções turísticas - é feita directamente ao balcão dos hotéis que aderirem ao projecto. Até agora foram seis as unidades a fazê-lo, número que segundo o porta-voz do Civitas no Funchal (cidade que em 2011 será palco do encontro anual deste projecto europeu) deverá duplicar nos próximos dias para 12.

Nos autocarros da Linha Verde e em outras duas carreiras os passageiros podem transportar gratuitamente as suas bicicletas. Todavia, ao contrário do que é habitual, isso não é feito no interior dos autocarros, mas sim em suportes exteriores, na traseira dos autocarro. Além disso, a Câmara do Funchal lançou um concurso para a criação de um sistema de bicicletas de uso partilhado que deverá estar pronto em 2011 e terá pelo menos 16 veículos convencionais e 24 eléctricos (dos quais oito motociclos).

Na mais recente conferência anual do Civitas, a Itália esteve em destaque, já que duas das suas cidades foram premiadas pelo seu "trabalho pioneiro para promover transportes urbanos mais limpos e melhores".

Bolonha e Génova - Itália
No caso de Bolonha, o júri distinguiu o esforço do município e da universidade aí localizada para conceber "um sistema inteligente de transportes" que desempenha um papel fundamental na monitorização dos fluxos de tráfego e na informação aos cidadãos.

A ideia é que os cerca de 370 mil habitantes da cidade possam receber, em qualquer momento, pela Internet e telemóveis, dados sobre o trânsito, ajudando assim a decidir quais os melhores trajectos e meios de transporte. Outras inovações em curso prendem-se com o controlo dos semáforos a partir de uma central, através da qual será também garantida prioridade aos transportes públicos nos cruzamentos. Também com o objectivo de melhorar as condições de circulação dos autocarros - aumentando em dez por cento o número de veículos que cumprem os horários estipulados -, Bolonha declarou guerra ao estacionamento em segunda fila. Para tal serão usadas câmaras de vídeo móveis, que tirarão fotografias aos automóveis em situação ilegal, seguindo-se o reconhecimento automático da matrícula e o processamento da multa.

Génova, por seu lado, foi considerada a cidade Civitas do ano por se ter destacado como "a mais activa, responsável e progressista no desenvolvimento de medidas sustentáveis de mobilidade". Uma das mais propostas mais inovadoras que o município italiano se prepara para concretizar pretende resolver um problema que muitas cidades europeias de média e grande dimensão enfrentam e que numa esmagadora maioria dos casos não tem ainda solução à vista: o da distribuição de mercadorias nas áreas centrais, com o trânsito e emissões poluentes que daí advêm.

A solução que Génova se prepara para introduzir passa por estabelecer um sistema de créditos de mobilidade. Para tal os primeiros passos são delimitar a zona de intervenção e quantificar qual deve ser o limite máximo de gases com efeito de estufa que aí podem ser emitidos, valor que é depois convertido num conjunto de créditos. A cada actividade económica é então atribuído um determinado número de créditos, o que na prática corresponde à definição do número de vezes em que podem entrar com os seus veículos na zona delimitada para realizar cargas e descargas.

A partir daí a ideia é que se estabeleça uma espécie de banco em que quem não usou todos os créditos a que tinha direito os possa entregar em troca de benefícios monetários e onde quem gastou os seus e precisa de mais possa comprá-los. Com isto pretende-se diminuir entre 15 a 20 por cento o tráfego de veículos comerciais. Para este objectivo contribuirá também a criação de um sistema de "van-sharing" (partilha de carrinhas) para o transporte de mercadorias.

O PÚBLICO viajou a convite da Comissão Europeia"
in Jornal Público, 24.10.2010 Por Inês Boaventura, em Malmo

Fonte e imagem:

Conduzir, não conduzir

Conduzir, não conduzir

in Diário de Notícias, 24 de Outubro, 2010

por FERNANDA CÂNCIO


"Há grupos no Facebook, 'chats' na Net, e até estudos sobre quem não guia, nunca guiou, nunca quis guiar. Deficiência social e óbice profissional, a falta de carta pode afinal ser um orgulho. Ou que remédio.
Num mundo em que ter carta e carro é rito de passagem para a idade adulta e símbolo de sucesso, quem escolhe não conduzir pode sentir-se uma aberração. Há quem tenha - ou arranje - resposta para o porquê, e quem nem se interrogue.
Preguiça, medo, trauma, recusa de crescer, aversão a máquinas, psicanalitiquices à escolha. Há estudos sobre isso, inquéritos, teorias. Um escritor britânico residente em Los Angeles, a cidade mais inimiga de peões dos EUA, país em que a carta de condução é bilhete de identidade oficial, escreve no LA Times: "Gastei milhares de dólares em terapia a tentar perceber; o meu psiquiatra fica todo excitado de cada vez que falamos disto. Diz: 'Chegaremos a algum lado quando percebermos de vez por que raio não guias.'" Richard Rayner - o nome do escritor - elenca as possibilidades. "Será medo? Terei assim tanta relutância de assumir o comando da minha vida? Li Pela Estrada Fora, de Kerouac, ok? Acham que não percebo que guiar, acelerar pela noite fora com o vento quente a despentear-nos o cabelo é uma imagem primordial da liberdade à americana, e que Los Angeles é o epicentro geográfico dessa ideia? Terei uma relutância edipiana em competir com o meu já desaparecido pai, um playboy que fazia corridas, dono de uma sucessão de Aston Martins e Lancias e sexys Jaguares, e que, um dia, quando tinha eu sete anos e estava ao lado dele num Minicooper, apontou para o velocímetro - passava dos 150 km/ hora -, tirou as mãos do volante e começou a cantar: 'Não temos bananas, não temos bananas hoje'? Sim, ponham uma cruz em todas as opções acima."
Conduzir, não conduzir: Alain Resnais poderia bem ter filmado uma história assim, depois de Smoking/No Smoking (1993). Aliás, tanto de comum entre dois temas aparentemente tão díspares. Diga-o o produtor de TV Pedro Curto, 48 anos, sócio de Piet Hein na CBV, por acaso um fumador inveterado. "A cidade está formatada para automobilista e não para peões. O maior pesadelo são os carros em cima dos passeios, mas sente-se a cada momento, no tempo de atravessamento dos semáforos, por exemplo, ou nas barreiras que fazem com que andes quilómetros porque não podes atravessar. E é-se tratado como maluco, com uma agressividade incrível, de cada vez que se protesta." Como os não fumadores no tempo em que em todos os lugares se fumava e se arrogava esse direito como absoluto - precisamente. "Ah, pois é, nunca tinha feito essa ligação." A analogia não se fica por aqui: o facto de alguém não fumar foi durante muito tempo visto como uma falta de sofisticação, de modernidade, uma falha social e cultural que suscitava condescendência piedosa ou aberto desprezo. Tal qual o que se passa com quem não guia. Com a agravante de poder ser, profissionalmente, um óbice. "As pessoas olham-te como um alien por não teres carta e carro. Perguntam: como é que és produtor sem carro? O que posso garantir é que nunca deixei de fazer uma coisa por não ter carro." Nem trabalho, nem férias, nem nada. "Quando me apetece ir para algum lado, Meco ou Alentejo, por exemplo, nunca me apetece ir sozinho, portanto... As pessoas têm o pensamento pindérico de que o carro dá estatuto socialmente."
Em alternativa, Pedro anda. Muito. "Quando tinha escritório nas Amoreiras ia todos os dias a pé para casa, que é em Alvalade. Ao andar a pé resolvem-se imensas coisas na cabeça. Penso muito melhor a andar. E gosto de me cruzar com as pessoas - tens muito mais noção do mundo real que se fores metido no carro. Costumo dizer que sou mais urbano que os semáforos, vivo muito a cidade." Quando não dá para ir a pé, o metro e o táxi são as opções. Com predominância para o primeiro: "Estou fascinado com o metro - é fantástico, barato, rápido, vais a ler, só tens vantagens."
A mesma sorte não tem Constança Cunha e Sá, jornalista, 52 anos. Editora de Política da TVI, vê-se, ela que vive no centro de Lisboa, a trabalhar em Queluz de Baixo, num lugar onde só se chega de automóvel. "Nunca tinha sentido falta, sempre me arranjei com os transportes públicos (gosto imenso de comboio e de metro). Agora sinto um bocado porque gasto uma fortuna em táxi. As coisas estão feitas - por exemplo a localização das empresas - presumindo que toda a gente tem carro. O que é, obviamente, um pressuposto errado. Fala-se muito na redução do transporte individual, mas está tudo pensado para quem tem." Uma discriminação também anotada nos espantos coleccionados ao longo da vida. "Sim, os não condutores são vistos como deficientes sociais. Só me lembro de uma reacção positiva. Fui ao Ministério dos Negócios Estrangei-ros falar com um diplomata e ele perguntou onde tinha arrumado o carro. Eu disse que não tinha, e ele: 'Ai que civilizado'."
Precisamente: há estudos por esse mundo fora para tentar perceber porque é que algumas pessoas não guiam... como pista para as melhores formas de desincentivar outras de guiar. A conclusão é de que resulta dar o máximo de informação sobre as desvantagens do automóvel - do que se gasta aos seus perigos, passando pelo stress de ter de encontrar lugar, de proteger o objecto de vandalismos e roubos, etc. O ex-jornalista António Tavares-Teles, 68 anos, atesta a justeza desta perspectiva. "É muito mais barato por exemplo andar de táxi. Quando eu vivia em Cascais - agora vivo em Vilamoura -, ia e vinha de táxi e um amigo disse: 'Porque não compras um carro e não pões um chofer?' E eu respondi: 'É o que tenho'. Se gasto mais? As pessoas quando andam de carro esquecem-se que têm de o pagar, do quanto ele se desvaloriza, da gasolina, do seguro, se bate, a revisão. E, veja, tenho um carro excelente, um Mercedes, com motorista - e faz-me recados, coisa que um carro sozinho não faria." A relação é de tal forma estreita que, garante, é convidado todos os anos para o jantar de Natal da empresa de táxis. "As únicas vezes em que sinto que o carro me faz falta é quando me apetece viajar sozinho e não posso. Sei lá, ir almoçar ao Fialho e não depender de ninguém. O carro tem as suas funções, haverá quem não possa viver sem carro, mas em Portugal isso correspondeu a uma ascensão social - tenho um certo desprezo por aquela pequena burguesia que começou a andar de chavinha." Acresce uma autodiagnosticada aversão a máquinas, que encontra eco em Helena Barros, 58 anos, directora de um colégio privado para crianças dos três aos dez. "Até a minha máquina de lavar só tem um programa para poder funcionar com ela. Nunca me sentei a um volante, nunca tive essa curiosidade. Mas, pensando nos motivos pelos quais recusei tirar a carta aos 20 e tal anos, quando todas as minhas amigas tiraram - haverá alguma razão, eu é que nunca a procurei, achava que era falta de interesse -, pode ser um bocado não querer ter mais uma responsabilidade, o medo de provocar um acidente, magoar, fazer mal aos outros." Ainda assim, confessa que de vez em quando, ao passar numa escola de condução, pensa em tentar. "Não posso dizer que me arrependa, mas acabo por me sentir um bocado dependente. Já pensei que se desse uma coisinha má ao meu marido ficava sem carro. Às vezes olho para os carros e penso, se tirasse a carta que carro guiaria. Gostava do Renault seis e do dois cavalos - uma vez o meu marido disse-me que tinha visto um à venda e ia comprar para eu aprender a guiar. Respondi: nem pensar."
Pode ser que, a partir de uma certa altura, aquilo que aconteceu como acaso se torne, face à estranheza, insistência e até aversão do mundo, uma resolução inabalável, um orgulho idiossincrático feito de hábito, preguiça e ironia. Constança, que em miúda até deu "umas voltinhas, na brincadeira", não se vê a inverter a marcha. "Desagrada-me a ideia das burocracias, das aulas... E não gosto mesmo de andar de carro; quando vou à frente sou daquelas que vai sempre a travar." Ri. E partilha o seu pesadelo cómico: "Tenho um sonho recorrente de que estou a guiar sem carta, a passar pela polícia e tudo - lá vou eu, sem saber bem o que estou a fazer." Pode ser isso, afinal: a consciência aguda do quanto é estranha essa simbiose, de que ninguém sabe muito bem o que faz atrás de um volante."

Fonte e imagem:
http://dn.sapo.pt/gente/interior.aspx?content_id=1692952

São José de Alcalar, Podia chamar-se utopia

in Jornal Público, 17 de Outubro, 2010

"A aldeia de São José de Alcalar é onde uma centena de portugueses vive a reforma, em espírito comunitário. Fica no Algarve e resulta da teimosia de um padre que, dizem, teria jeito para empreiteiro, administrador ou político. Por Idálio Revez (texto) e Virgílio Rodrigues (fotografia)

Domingos Costa, padre de São José de Alcalar fica nos arredores de Portimão, no Algarve. Por ali, as portas das casas estão abertas dia e noite, o que não é certamente um hábito português, mas esta aldeia, na freguesia de Mexilhoeira Grande, não é uma terra portuguesa normal. As 52 casas de Alcalar (26 de tipologia T1 e 26 T3) foram construídas em dois blocos circulares, em volta de uma eira. Foram pensadas para gente que está na idade da reforma e não pode viver sozinha. Não é um lar e também não é um resort, para reformados endinheirados. É uma utopia de portas abertas que nasceu da teimosia do padre jesuíta Domingos Costa. Um homem obstinado, sem papas na língua nem paciência para leis que não servem as pessoas.

Sara Duarte é a responsável de Alcalar, onde a vida, explica Sara, é necessariamente diferente da de um lar em que os utentes têm um quarto individual e salas colectivas. Aqui, toda a gente tem direito a uma vivenda, sem cozinha. Há uma área de apoio parecida com kitchnette, com coisas básicas, mas as refeições são servidas no refeitório, onde se confecciona alimentos cultivados e criados aqui mesmo. "Procuramos que todos os que podem venham pelo seu próprio pé, nem que seja a coxear - o movimento é indispensável", diz Sara Duarte. Este foi o seu primeiro emprego, desde que saiu da universidade, há cinco anos. Sente-se realizada a ajudar o padre Domingos, para quem Alcalar deve proporcionar um ambiente em que as pessoas possam ter a sua "intimidade, sentirem-se autónomas mas ao mesmo tempo acompanhadas".

A aldeia nasceu em 1989, numa altura em que os "cidadãos se podiam organizar e ter iniciativas próprias", diz o padre. Mais tarde, chegaram leis, "burocracia", e "regras para a certificação". "A qualidade de vida passou a ser medida a régua e esquadro".

No início eram 15 mil contos
O projecto foi oferecido pelo arquitecto Martim Garcias, quando este era presidente da Câmara de Portimão. O terreno também foi doado e o resto da obra fez-se com boas-vontades, trabalho voluntário e "luta, muita luta" contra a corrente. O ex-autarca, hoje com mais de 80 anos, "facilitou as coisas", em termos administrativos, para que a construção pudesse avançar, aos poucos, conforme o dinheiro disponível e as ajudas que iam chegando. E a vontade popular fez esquecer algumas formalidades municipais. As pequenas moradias têm porta aberta ou a chave disponível para quem quiser entrar a qualquer hora. Lá dentro, um quarto, uma casa de banho e uma sala. As visitas são sempre bem-vindas, de dia ou de noite. Os utentes saem e entram à vontade, ajudam-se mutuamente em espírito de boa vizinhança.

Os projectos das casas ainda hoje não estão aprovados pelos serviços autárquicos. O processo de legalização está agora a ser iniciado "como se estivesse no zero". E se à luz da actual legislação as casas vierem a ser consideradas clandestinas? "Já disseram que tinha de fazer alterações - construir uma rampa, mas enquanto eu estiver vivo não se faz." O pároco, que vive de uma reforma de 411 euros, manifesta-se intransigente. "É meu princípio gastar bem o dinheiro dos pobres. Se o Estado está habituado a deitar fora o dinheiro de todos nós, eu não." Socorrendo-se das sagradas escrituras, cita São Paulo: "A lei mata, o espírito é que vivifica - e esta é uma obra do espírito."

Quando abraçou esta causa, em 1988, o arquitecto pergunto-lhe: "Sabe onde vai meter-se? Sabe quanto vai custar?" A resposta, recorda, desarmou o autarca: "Não sei, nem me interessa." Martim Garcias avançou com um número: "Pelo menos 2,5 milhões de euros." O padre respondeu que tinha 15 mil contos (75 mil euros), deixando a promessa de que não iria desistir. Aos poucos, com donativos e trabalho voluntário, a obra fez-se. "Isto é bonito, o Evangelho funciona mesmo."

Na lavandaria, os gestos de Cesarina Barroso são mecânicos. Cumpre um ritual: lava, torce, estende, dobra e passa a ferro. Trabalha no Centro Paroquial há 28 anos, é a mais antiga na instituição. "Casei com isto", diz, a sorrir. À sua frente estão 25 camisas de homem à espera que o ferro quente lhes apague os vincos.

Há prateleiras com nome e número de utente: "Não se pode trocar a roupa", avisa Cesarina. Naquele espaço, gerido por esta mulher de 49 anos, "tudo tem de estar no seu lugar". Como num hotel. Por vezes, acontecem coisas estranhas. Há roupa que aparece rasgada ou sem botões.

Maria Augusta, de 77 anos, não gosta de estar parada, apesar de ter algumas dificuldades de locomoção. Há dez anos morava num 2.º andar de uma urbanização de habitação social em Portimão. Isabel Cabrita, de 88 anos, habita numa casa recheada de saudades, em frente à de Maria Augusta. A mesa da sala e as paredes estão cobertas de fotografias. "São os meus meninos", conta, acrescentando que foi catequista, e ajuda o padre Domingos na missa.

No terraço, Gil Luís, antigo pastor, joga o dominó com mais três amigos. A partida é interrompida. Sem familiares por perto, desde há 12 anos que encontrou nesta aldeia o espaço para se sentir como se fosse a sua própria casa. Quando a saúde ainda o permitia, ajudava no refeitório, a descascar batatas.

Preço igual para todos
A média das pensões de reforma dos idosos anda na ordem dos 300 euros mensais. A administração desta aldeia fica com 85 por cento desse valor. A percentagem, diz o pároco, "é igual para todos, independentemente do valor".

As inspecções da segurança social, diz, falam da necessidade de existir certificação de qualidade, "mas não olham para as pessoas, nem falam com elas". O que os preocupa, acrescenta, "é a altura das portas, se existe ou não extintor e a pintura das paredes, a isso é que chamam qualidade".

Quando uma Misericórdia gasta 100 mil euros para obter um certificado de qualidade isso é dinheiro mal gasto, comenta. "Tanta gente à procura de uma cama, e o que lhes interessa são os papéis e um carimbo."

Não é por falta de procura ou de dinheiro que ainda há casas vazias. "Tenho dificuldade em conseguir pessoas, empregadas com vocação para trabalhar com idosos", refere o padre Domingos. "É muito diferente trabalhar para ganhar dinheiro de trabalhar para fazer felizes os outros", acrescenta.

O lote de terreno onde se desenvolve a aldeia tem 1,8 hectares - equivalente a dois campos e meio de futebol. Mas o total são cinco hectares, que incluem uma capela e um centro juvenil, frequentado por 170 crianças. Cinco hectares seriam a área considerada necessária para desenvolver todo o projecto, incluindo a criação de animais, coelhos e galinhas para alimentar a aldeia. "Os terrenos estão abandonados, mas as pessoas não dão, nem vendem", lamenta-se o padre, afirmando que não vai desistir. Aliás, com a mesma filosofia de aldeia, adianta, tem em projecto algo semelhante para os mais novos. "É preciso que as crianças tenham contacto com a vida no campo." E o dinheiro para a obra? "Desde que sou padre, o dinheiro apareceu sempre."

Manuela Rocha chega com dois sacos de fraldas. A jornada de trabalho começou às 7h, com o transporte, numa carrinha, dos colegas que estiveram de serviço no turno da noite. "Temos de fazer de tudo um pouco", diz esta colaboradora do Centro Paroquial há 16 anos, cuja tarefa principal é tratar da higiene e limpeza dos idosos. "O trabalho é duro, mas é feito com gosto." A média dos salários anda "um pouco acima da tabela do ordenado mínimo nacional". Mas encara profissão como uma missão: "Gostaria de um dia ser acolhida como eu procuro tratar os outros."

Às primeiras horas da manhã, ocorre a fase da higiene e limpeza, a mais delicada. "Sabemos que estamos a entrar num espaço íntimo, e nem todos encaram a nossa presença da mesma forma." Por outro lado, acrescenta: "Tenho conhecido aqui pessoas encantadoras, dizem versos, contam estórias e são divertidas." Quando as coisas correm bem aos filhos e netos, "gostam de falar, falar. Mas nem sempre há tempo para ouvir. Somos poucas, e há muito por fazer", justifica.

De Odemira a Tóquio
A vida na aldeia é calma, tão calma que parece que nada acontece ou está para acontecer. As tarefas repetitivas transmitem uma sensação de monotonia. Monótono? "Sim, pode ser, mas às vezes parece que passou por aqui um furacão", diz Manuela Rocha, aludindo a momentos como quando adoece alguém. "Muda-se a rotina, para dar prioridade aos cuidados de saúde, tudo muda de repente."

Em Odemira, concelho de Beja, há outro sítio que persegue o mesmo ideal. São Martinho das Amoreiras é um projecto idêntico, só que de menor dimensão. Foi apontado pela Rede Europeia Antipobreza como um modelo a seguir.

No Japão, país que sofre mais que muitos outros com o problema do envelhecimento da população, não deixa este tipo de preocupações na mão de um punhado de voluntários. Nos arredores de Tóquio há mesmo uma cidade que está a ser paulatinamente transformada numa espécie de lar gigante.

Casas e prédios antigos serão restaurados e recuperados a pensar nos problemas que vêm com a idade. Nos próximos cinco anos, uma parte desta cidade de 400.000 habitantes irá transformar-se num espaço adaptado à sua população envelhecida.

Prédios antigos de cinco pisos sem elevador serão substituídos por edifícios livres de barreiras com 10 a 14 andares e elevadores. Cada condomínio terá serviço de saúde e apoio domiciliário 24 horas. Os telhados serão aproveitados para criar miniquintas urbanas, onde os moradores poderão ocupar o seu tempo.

Em Alcalar, no Algarve, não é preciso aproveitar telhados, mas a pequena agricultura é também uma forma de ocupação. "Se não me pusesse a pau, até desaparecia a relva do jardim, aproveitam todos os cantinhos para semear e plantar", diz o padre Domingos. O que ali se produz é para consumo interno, e o tempo que se gasta a tratar de tudo é uma ajuda para quem não sabe o que fazer ao tempo.

O gigantesco projecto japonês envolve a autarquia de Kashiwa, uma espécie de dormitório de Tóquio, a 30 minutos de comboio da capital japonesa, a Universidade de Tóquio e uma imobiliária. Por cá, também há universitários que se dedicam a estudar o tema, embora não se tenha chegado a projectos com a dimensão do de Kashiwa.

João Martins, professor universitário de Beja, dedicou a sua tese de doutoramento em Planificação Integral e Desenvolvimento Regional a este problema. Em 2007, Martins apontava o modelo das "aldeias-lar" como uma resposta ao envelhecimento da população que João Martins, professor universitário de Beja, propôs na sua tese. Na altura, explicou que o modelo consiste em "revitalizar" as aldeias e vilas do interior do país com população envelhecida e em risco de desertificação, transformando-as em "aldeias-lar". "Através de investimento público, privado ou misto, as casas devolutas ou abandonadas poderão ser adquiridas e reconvertidas para a habitação de idosos."

A Aldeia dos Querubins
Além das moradias, Alcalar também dispõe de um edifício central, bar, sala de actividades de tempos livres, lavandaria e posto de saúde, onde um médico e uma enfermeira prestam cuidados de saúde primários aos idosos.

A atenção do padre Domingos não se esgota nesta camada da população. Há mais de dois anos que o obreiro de Alcalar sonha com arrancar para a construção de uma aldeia semelhante para crianças, à qual quer chamar a Aldeia dos Querubins.

Em 2008, segundo dados divulgados na altura pelo Jornal de Notícias, Portugal tinha 13.000 pessoas em listas de espera para os lares apoiados pelo Estado. Num contexto em que a rede estatal não chega para as encomendas, o país poderia olhar para as aldeias-lar como uma alternativa que, além de satisfazer necessidades, poderia seguir este modelo que São José de Alcalar, no Algarve, ou São Martinho da Amoreira concretizam.

Thomas More, chanceler entre 1529 e 1932 de Henrique VIII de Inglaterra, imaginou uma ilha à qual chamou Utopia, num livro que ficou para a história do pensamento político. Era uma terra imaginária, inventada como contraponto à Inglaterra daquele tempo, a pensar no governo dos países e não na forma de tratar os velhos. Uma ilha onde não havia propriedade privada, nem fechaduras nas portas. Onde a partilha seria a regra e a felicidade pessoal estaria ligada à felicidade colectiva. Nisso, Alcalar podia ser Utopia feita real."

Com Carlos Dias, Victor Ferreira e Lusa

Fonte:
http://jornal.publico.pt/noticia/17-10-2010/podia-chamarse-utopia-20417576.htm
Imagem:
http://zigdebeja.blogspot.com/2009_10_01_archive.html

CICLOFICINA - 17 de Outubro, 2010


"A próxima Cicloficina de Lisboa será no dia 17 de Outubro, Domingo, a partir das 15h, no jardim Fernando Pessa, junto ao Fórum Lisboa (Av. de Roma)."

"O que é a Cicloficina?
É uma iniciativa informal, e aberta a todos os que nela queiram colaborar. É um serviço de assistência técnica simples prestado à população ciclista, e funciona apoiada no tempo, dedicação e mais valias dos voluntários que a fazem acontecer.

Qual o objectivo da Cicloficina?
# 1 – Promoção do uso quotidiano da bicicleta, dando-lhe visibilidade.
# 2 – Animação da rua e da vida colectiva do local onde decorre a Cicloficina.
# 3 – Aumento das interacções e fortalecimento das relações da comunidade.
# 4 – Empoderamento dos utilizadores de bicicleta, ensinando-os a regular, ajustar, afinar e manter as suas bicicletas, de modo a aumentar a sua autonomia, a sua segurança e o seu conforto, com vista a fomentar um maior uso da bicicleta na cidade."
 
Fonte e imagem:
http://cicloficina.wordpress.com/2010/09/03/algumas-fotos-da-cicloficina-de-lisboa/

Ribeiro Telles indignado com proposta que abre caminho à construção em logradouros

in Jornal Público, 8 de Outubro 2010
Por Ana Henriques e Cláudia Sobral

"Proposta socialista de revisão do PDM de Lisboa contraria acordo pré-eleitoral do PS com José Sá Fernandes, selado há um ano para as últimas autárquicas

O arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles mostrou-se ontem indignado com a medida do PS para autorizar a construção em logradouros, proposta na revisão do Plano Director Municipal (PDM) de Lisboa. "É uma anedota em termos de planeamento", reagiu Ribeiro Telles na entrevista a publicar na edição do PÚBLICO do próximo domingo.

A proposta socialista foi detalhada na última reunião de câmara, anteontem, e a questão dos logradouros foi um dos alvos de toda a oposição representada no executivo liderado por António Costa - e até o vereador dos Espaços Verdes, José Sá Fernandes, se mostrou preocupado.

Lançar uma campanha de recuperação dos logradouros - via associações de proprietários, com incentivos financeiros de apoio técnico dado pelo município -, foi precisamente uma das condições do acordo pré-eleitoral de Sá Fernandes com os socialistas que governam Lisboa, e cujas listas acabou por integrar, na qualidade de independente. Além disso, Ribeiro Telles é a principal figura da associação de apoiantes de Sá Fernandes, a Lisboa é Muita Gente. Recentemente homenageado com a Medalha de Mérito Municipal, grau ouro, o arquitecto paisagista não assistiu à discussão camarária sobre a revisão do PDM, mas disse, depois de informado sobre a proposta, tratar-se de uma "medida gratuita, a favor da especulação urbana".

"Segundo percebi - prossegue, referindo-se ao documento a que depois teve acesso e ao que lhe foi transmitido -, logradouros são as tapadas, são os quintais, são as cercas conventuais e são as quintas de recreio - aquelas todas do Paço do Lumiar que são do século XVI e XVII. Se isso tudo é logradouro, evidentemente que é um desastre para a cidade de Lisboa. Quer cultural quer ambiental."

Criticou ainda a imprecisão de vários conceitos usados na proposta de revisão, como o de superfície verde: "Ervas sobre betão são superfícies verdes." " [Isso] não é de uma cidade do século XXI e do sistema natural de uma cidade do século XXI", acrescentou. "É encapotar para as pessoas não perceberem bem o que é. Uma árvore vai buscar água às camadas inferiores e as raízes são a forma que tem de se sustentar. Acho bem que, depois de todas as árvores caírem em cima de automóveis e de pessoas, a câmara seja responsabilizada."

Às dúvidas colocadas em relação à proposta de autorizar mais construção nos logradouros - algo que actualmente se faz com muitas restrições (no máximo, 20 por cento da área total) -, respondeu na reunião o vereador Manuel Salgado, vice-presidente do executivo, responsável pelo Urbanismo e coordenador da revisão do PDM. Invocou a necessidade de criar mais estacionamento em Lisboa - nomeadamente nos logradouros -, sob pena de os promotores imobiliários desistirem de reabilitar os prédios antigos. E referiu também o facto de parte dos logradouros já estar ocupada com construção clandestina, que viola a regra dos 20 por cento da área total, actualmente em vigor.

O programa eleitoral do presidente, António Costa, não menciona os logradouros. Diz, no entanto, que Lisboa necessita de aumentar a quantidade de solo permeável e o coberto vegetal. Nesse sentido, promete, entre outras coisas, "promover um programa de fomento de agricultura urbana".

Ribeiro Telles destaca as mesmas necessidades. "Lisboa precisa de locais permeáveis. Diminuir essa área na cidade - potencialmente, uma estrutura verde consistente - é mau em qualquer logradouro", afirma o homem que coordenou o Plano Verde para Lisboa, que está, aliás, em exposição no antigo Mercado de Santa Clara."

Fonte e imagem:
 
"O vereador dos Espaços Verdes, José Sá Fernandes, diz "partilhar das preocupações" do arquitecto paisagista Ribeiro Telles "no que respeita a quaisquer políticas que possam vir a comprometer o funcionamento do sistema natural da cidade, nomeadamente os logradouros".

Em causa está a possibilidade de se poder vir a ocupar com construção os quintais e outros espaços verdes habitualmente existentes nas traseiras dos prédios. O actual Plano Director Municipal (PDM) impõe enormes restrições à impermeabilização destes terrenos, por questões de sustentabilidade ambiental, mas o executivo socialista que governa a autarquia - e do qual Sá Fernandes faz parte, na qualidade de independente - quer mudar isso. Para Ribeiro Telles, que sempre se bateu pela reabilitação dos logradouros, a intenção constitui "uma anedota em termos de planeamento". No seu entender, trata-se de "uma medida gratuita, a favor da especulação urbana".

Apesar de ter a seu cargo os Espaços Verdes, Sá Fernandes mostra que não está totalmente a par das consequências desta proposta de alteração do PDM, que já foi apresentada em público no âmbito da revisão em curso deste instrumento de planeamento: "Embora pareça resultar desde já que estão completamente salvaguardadas as tapadas, quintas de recreio e cercas conventuais, bem como o espaços públicos verdes da zona de Alvalade, que deixam de ser considerados logradouros para serem considerados espaços verdes, e que se presuma a intenção de proteger os logradouros com mais de 500 metros quadrados, falta ainda acertar as regras dos restantes logradouros", refere o autarca, num comunicado emitido ontem. Sá Fernandes sublinha "a abertura do vereador Manuel Salgado, coordenador do processo de revisão do PDM, e reiterada pelo presidente da câmara, para debater a questão, visando encontrar-se a melhor solução" para o problema."

Fonte:

Roads Need to be Shared, Not Monopolized by Cars


Traffic Calming: Postcards from London from Streetfilms on Vimeo.

"We often hear the excuse that there's simply not enough space to accomodate drivers and cyclists & pedestrians. But is that true? When it comes to lack of space, many areas of London, UK, are hard to beat, yet as the video above demonstrates, it is more than possible to share the road. Many traffic-calming measures are necessary to make them safe for non-drivers, but that brings many other side benefits (it's an incentive for more people to take public transit inside the city)."

Fonte:
http://www.treehugger.com/files/2010/09/tips-from-london-on-how-to-share-roads-calm-traffic-video.php