Ribeiro Telles, entrevista no Jornal i

in Jornal i, por Enrique Pinto-Coelho, Publicado em 09 de Outubro de 2009

"Tem aversão pelos jogadores de golfe e paixão pelos reis. Critica a visão "mercantilista" do território e propõe umas "cidades-região" com mais hortas e menos edifícios.

Arquitecto paisagista e ex-ministro da Qualidade de Vida (1981- 1983), Gonçalo Ribeiro Telles foi pioneiro da defesa do ambiente em Portugal. Há 20 anos, coordenou uma série de projectos para Lisboa e a área metropolitana, incluindo um plano para unir o Parque de Monsanto à cidade através de um "corredor verde", bacias de retenção no vale de Alcântara e hortas sociais em Chelas. Actualmente combate em tribunal o Polis Costa da Caparica, um "desastre" que, segundo ele, vai erradicar as hortas e substituí-las por hotéis e auto-estradas.

Nasceu em Lisboa há 87 anos. Viu a cidade crescer e transformar-se, interveio, denunciou e agora a câmara está a recuperar projectos coordenados por si que tinham ficado na gaveta.
João Soares, quando deixou a câmara, deixou um Plano Verde para ser integrado na revisão do PDM. Esta revisão devia ter sido feita, por lei, em 2004. No entanto, a câmara da altura, do Carmona Rodrigues, borrifou-se para a revisão do PDM e entre 2004 e 2009 pôde-se fazer o que se queria usando um plano director que devia ter sido revisto. Afinal o plano foi aprovado na assembleia municipal há pouco tempo e por isso é que se estão a realizar os primeiros corredores ecológicos para resolver o primeiro problema da agricultura urbana, que são as hortas sociais.

É a favor das portagens nas cidades?
Para quê?

Para limitar a entrada de carros nas cidades.
Acho muito bem que se limite a circulação de determinadas maneiras, mas a melhor forma é através do urbanismo regional, ir às causas e não às consequências.

O problema é que há muitos carros na cidade, e as pessoas gostam de ir de carro e muitas vezes precisam de o fazer...
Ai gostam? Mas isso é que não pode ser... O prestígio da circulação automóvel face ao transporte público é fomentado por um mau urbanismo.

Tem ou teve carro?
Eu tenho carro, mas nunca ando com ele na cidade. Também porque não preciso: moro dentro da cidade e tenho o metro, os autocarros e o carro quando quero ir passear para a província. Na cidade só passeio de táxi (risos).

É um carro na mesma.
Sim, mas não é para passear, é para ir mais depressa numa situação de emergência. Mas prefiro o metropolitano.

A rede de metro não é muito grande e não serve para todos.
Mas está a aumentar e é fundamental.

As autoridades regionais são competentes?
A maior parte das autoridades regionais, e as locais, não têm sido. Há excepções estupendas, como Guimarães, mas de uma forma geral a luta contra a REN [Reserva Ecológica Nacional] e a RAN [Reserva Agrícola Nacional] e toda a base do ordenamento do território foi trágica para o país. Basta ver o que se passa nas hortas da Caparica.

Apesar disso defende a regionalização. Acredita que iria melhorar as competências das autoridades regionais?
Conforme... se for feita com base no costume, na cultura e na realidade das relações humanas actuais, na história e na memória, óptima regionalização. Se for feita com base aritmética, de votos ou de números, não.

Ajudou a fundar o Partido Popular Monárquico (PPM), uma formação que obteve menos de 1% dos votos nas últimas eleições legislativas.
Sim, mas já não tenho nada a ver com esse partido. Aquilo foi ocupado por um grupo de pessoas que arranjaram uma assembleia e a comunicação social achou que aquilo é que era o PPM. Toda a gente que era do PPM saiu...

Os históricos?
Não, os que eram. O Luís Coimbra, o Henrique Ruas, que já morreu, eu... Não aceitávamos a criação de um partido exclusivamente monárquico. Ao PPM do antigamente deve-se toda a organização do território. Quem é que inventou a RAN? Quem é que estabeleceu a REN? Quem formou os planos regionais de ordenamento do território [PROT]? Todas estas leis foram feitas pelo PPM em 1983, no oitavo governo com o [primeiro- -ministro de então, Francisco Pinto] Balsemão. Aquilo acabou, agora são uns fulanos.

Ainda acredita que a monarquia faz sentido em Portugal?
Sem a monarquia, Portugal desaparece.

Depois do PPM participou na fundação do Partido da Terra (MPT), que também conseguiu menos de 1% dos votos...
A culpa é do mercantilismo das autarquias, que resolveram usar o território como mercadoria só para quem quisesse construir. E portanto temos o país todo construído, e a maior parte das casas estão vazias...

O mercantilismo não explica o insucesso do MPT.
Ai explica, perfeitamente!

E explica o sucesso do Bloco de Esquerda (BE)?
O BE cresceu mas não derrotou o mercantilismo.

Diz que a fragmentação é o maior problema do actual Ministério do Ambiente. Pode explicar melhor?
O que devia haver era um Ministério do Ordenamento da Paisagem.

Pode identificar as áreas em que o ministério está a falhar mais?
Ordenamento do território. Destruição dos melhores solos de cultura agrícola. Protecção à monocultura industrial de pinheiro bravo e eucalipto. Basta ver a lei que saiu agora que diz que a madeira passou a ser produto agrícola. É uma forma de conceder os melhores solos, os da primeira classe da RAN, aos eucaliptos. Isto é criminoso. Quer pior que isto? Outra coisa indecente são os PIN [Projectos de Interesse Nacional], que podem passar por cima de toda a legislação sobre o território."

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